Trem partindo, trem chegando.

" Não sei se feliz com os finais que chegam. Mas sempre dou um jeito de me divertir quando sou eu que, apesar de tudo, chego até o fim."
(Tati Bernardi)

E de repente a vida obriga você a se despedir mesmo sem querer. É tão difícil quando já se tem um apego com as pessoas, com o lugar e até mesmo com suas atividades.
Caí lá de pára-quedas, meio com preguiça, meio com medo. Logo de cara me senti em casa. Uma casa meio apertada, meio desarrumada, cheia de gente e com pilhas de processos. " Você é a nova estagiária? "Foi a primeira coisa que ouvi daquele que mais adiante seria meu mais que colega. Os primeiros dias foram difíceis. Me sentia uma estranha num ninho escuro. Não sabia o que podia esperar daquela gente. Tão ocupados, fechados e frios.
Com um estagiário paciente a gente consegue! E eu tive a sorte de ter um mais que paciente Ele abria processo por processo, me explicava passo por passo. Até que comecei a abri-los sozinha, mas sem deixar de consultá-lo sempre. Era um jeito dele se sentir querido e de eu me sentir segura.
Saímos da casa pequena e bagunçada, e fomos para uma grande, bonita. Apesar de todos ficarem distantes, meus escudeiros estavam ali. Eu, minha oficial e meu estagiário, como gostava de chamá-los. Na sala ao lado meu promotor mais sorridente. Descubro-me rodeada por corações enormes. Eles me acompanharam nas provas finais, no final do ano e no início de outro. Dividiram comigo problemas, risadas, viagens, chocolates, picolés de limão, água e até doce de leite. Me ensinaram o valor da palavra justiça e a importância de lealdade. Um dia salvador, no outro criatura. Me aguentaram triste, feliz, saltitante, apaixonada, desiludida, bonita, feia, compreguiça, disposta, de tpm, de bom humor, carente, distante.. foram meu escape quando o pé na bunda apareceu, quando o copor doeu, quando o stress transbordou. Tiveram um pouco da minha vida e me deixaram com saudade da deles. Desde relatos sobre a cirurgia plástica até os votos de aniversário. Desde as coisas em comum até as discordâncias. Ficaram marcados de um jeito ou de outro.
E por que tanta dificuldade em dizer tchau agora sendo que antes mal conseguia dizer oi? Quem vai me dar conselhos, falar amenidades em pleno horário de trabalho? Quem vai sentar ao meu lado pra tentar me fazer entender o mundo masculino? Quando vou me sentir protegida de novo com um segurança risonho na porta? E quem vai limpar minha mesa, esvaziar meu lixo, cuidar da minha planta e ainda gargalhar dos meus desastres? Quem vai me tirar o medo da violência e me fazer ver fotos de cadáveres sem me importar? Quem vai discutir comigo se há mais estupros ou roubos na cidade com uma normalidade assustadora? Quem vai tentar me convencer que homem batendo em mulher sempre tem, e que se fosse comigo e eu o amasse, eu perdoaria? (tentou..)
Eu estava com tanto medo de lembrar de tudo isso e começar a chorar por não saber se vou tê-los outra vez comigo. Mas vocês sempre me enchem de esperanças e me dão a luzinha que preciso para acreditar que é passageiro e que eu vou voltar.
A vida é assim. Dá e logo quer tirar. Ainda não sei se terei algumas pessoas para sempre, mas tenho certeza que estas para sempre ficarão na minha história. A minha estação sempre tem trens chegando e partindo. Quando chega a hora eu os deixo ir, mesmo que aqui dentro eu grite para que fiquem.
Não gosto de despedidas, de partidas e adeus. Com a dor eu consigo conviver mas com a perda ainda não aprendi.
Espero que esse trem ainda volte, para me deixar subir e viver umas aventuras por aí.
Dizem que a primeira vez a gente nunca esquece. Tive várias "primeiras vezes" com vocês e com certeza não esquecerei.